No
ano de 1902 o atual município de Xapuri chamava-se “Mariscal Sucre”, em
homenagem ao marechal Antônio José de Sucre, importante líder dos movimentos de
independência da América Latina. O território pertencia aos bolivianos que
buscaram desenvolver alternativas de ocupação, tendo em vista o crescimento da
procura por borracha no mercado internacional e as diversas tentativas,
frustradas a princípio, que grupos paramilitares brasileiros, no geral financiados
por comerciantes e seringalistas de Belém e Manaus, desenvolveram na tentativa
de anexar a região denominada como Acre ao Brasil, ou mesmo torná-la um “Estado
Independente”, como assim o fez o espanhol Luis Gálvez Rodrigues de Árias em
1889. Neste ambiente tumultuado, os bolivianos buscavam alternativas de
governabilidade, sendo uma delas, os processos de aliança com seringalistas
brasileiros já estabelecidos na região, exemplo disso, foi o “Conselho dos
Notáveis”, junta constituída pelo intendente boliviano Juan de Dios Barreto,
composta por bolivianos e brasileiros que moravam em Mariscal Sucre que, em
tese, deveria auxiliar na administração do militar boliviano. Esta relação
perduraria até agosto de 1902, quando Plácido de Castro liderou o processo
histórico costumeiramente chamado de “Revolução Acreana”.
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Praça Rio Branco, na cidade de Xapuri, 1906-1907
Fonte:
FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, pg. 153
Estima-se
que tenha sido neste cenário, mais especificamente no dia 20 de janeiro ano de
1902, que ocorreram as primeiras manifestações de fé dos habitantes de
“Mariscal Sucre” para com São Sebastião. Ressalte-se que no início do século XX,
pessoas de diversas nacionalidades fixaram residência no vilarejo, que se
constituía no maior centro produtor de borracha de todo o Acre. Dessa forma, Italianos
como o farmacêutico Telêmaco Coveri e portugueses como Joaquim Antônio, também
conhecido como “periquito”, juntavam-se a sírios, libaneses, espanhóis,
brasileiros, bolivianos e muitos outros personagens, para construírem parte da
história da cidade, hoje denominada como Xapuri. Essa multiplicidade de atores
sociais, na sua grande maioria advindos de regiões e nações com predomínio da
religião católica, foram os que trouxeram para o vilarejo, que no ano de 1904,
a partir de Decreto do Prefeito do Departamento do Alto Acre, Rafael Augusto da
Cunha Mattos, transformaria-se em cidade, a tradição de festejar o dia de São
Sebastião.
Mais
importante, no entanto, do que uma ilusória e pretensa “precisão histórica”
acerca do ano, dia, mês e até mesmo o número de participantes da primeira
procissão em homenagem ao Santo, que se transformou em padroeiro da cidade, é o
processo de apropriação que os habitantes da floresta e da cidade
desenvolveram, transformando os “festejos” em homenagem a São Sebastião em uma
das maiores expressões de fé e “culturas do povo” em todo o Acre.
Procissão de São Sebastião na década de 70
Acervo: Prefeitura de Xapuri
E
não ficou só nisso, a tradição de reverenciar o Santo terminou levando à Xapuri
“romeiros” de várias localidades do Acre e outros estados e até mesmo do
exterior. Mas boa parte não se desloca para o município movido apenas pela fé.
Durante o período de festejos, ocorre uma junção do “sacro” com o “profano”. O
sinal para o início das atividades mais “mundanas” parece ser anunciado pelo
sino da Igreja, que informa o fim de missas e novenas. A partir daí, uma
diversidade de pessoas e mundos se encontram e se cruzam pelas ruas da cidade.
Têm espaço e manifestações para todos os gostos, forró tradicional, musica
eletrônica, shows, a cidade vira uma grande festa.
No dia da procissão, no entanto,
Xapuri parece voltar no tempo, retornar ao período que era Mariscal Sucre e
quando ocorreram as primeiras manifestações de fé. Inicialmente a cidade
despede-se do profano, prepondera então o sacro. Gradativamente, uma multidão
de fieis dirige-se para a Igreja Matriz, muitos explicitam a fé através de
artefatos ou de autoflagelo, tudo para agradecer pela graça alcançada. De
repente, o apoteótico momento em que tem início a procissão e percebe-se uma
multidão tomando conta das ruas com suas rezas e cânticos. Mesmo em meio ao
barulho dos fogos de artifício escuta-se em todos os lugares da cidade o refrão
“salve, salve São Sebastião”. Ao final
da procissão certa calmaria, acompanhada de uma sensação de dever cumprido,
paira na cidade. As pessoas retornam então as suas casas ou lugar de origem e,
lentamente, Xapuri volta a conviver com sua rotina, suas ruas vazias, seu tempo
próprio, caracterizado por certa lentidão no passar, mas, a cidade parece
revigorada, afinal, inicia mais um ano sob as bênçãos do seu Santo protetor.