sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Expressões das “culturas do povo”: 20 de janeiro em Xapuri



No ano de 1902 o atual município de Xapuri chamava-se “Mariscal Sucre”, em homenagem ao marechal Antônio José de Sucre, importante líder dos movimentos de independência da América Latina. O território pertencia aos bolivianos que buscaram desenvolver alternativas de ocupação, tendo em vista o crescimento da procura por borracha no mercado internacional e as diversas tentativas, frustradas a princípio, que grupos paramilitares brasileiros, no geral financiados por comerciantes e seringalistas de Belém e Manaus, desenvolveram na tentativa de anexar a região denominada como Acre ao Brasil, ou mesmo torná-la um “Estado Independente”, como assim o fez o espanhol Luis Gálvez Rodrigues de Árias em 1889. Neste ambiente tumultuado, os bolivianos buscavam alternativas de governabilidade, sendo uma delas, os processos de aliança com seringalistas brasileiros já estabelecidos na região, exemplo disso, foi o “Conselho dos Notáveis”, junta constituída pelo intendente boliviano Juan de Dios Barreto, composta por bolivianos e brasileiros que moravam em Mariscal Sucre que, em tese, deveria auxiliar na administração do militar boliviano. Esta relação perduraria até agosto de 1902, quando Plácido de Castro liderou o processo histórico costumeiramente chamado de “Revolução Acreana”.



Praça Rio Branco, na cidade de Xapuri, 1906-1907 
Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, pg. 153
 
Estima-se que tenha sido neste cenário, mais especificamente no dia 20 de janeiro ano de 1902, que ocorreram as primeiras manifestações de fé dos habitantes de “Mariscal Sucre” para com São Sebastião. Ressalte-se que no início do século XX, pessoas de diversas nacionalidades fixaram residência no vilarejo, que se constituía no maior centro produtor de borracha de todo o Acre. Dessa forma, Italianos como o farmacêutico Telêmaco Coveri e portugueses como Joaquim Antônio, também conhecido como “periquito”, juntavam-se a sírios, libaneses, espanhóis, brasileiros, bolivianos e muitos outros personagens, para construírem parte da história da cidade, hoje denominada como Xapuri. Essa multiplicidade de atores sociais, na sua grande maioria advindos de regiões e nações com predomínio da religião católica, foram os que trouxeram para o vilarejo, que no ano de 1904, a partir de Decreto do Prefeito do Departamento do Alto Acre, Rafael Augusto da Cunha Mattos, transformaria-se em cidade, a tradição de festejar o dia de São Sebastião.

Mais importante, no entanto, do que uma ilusória e pretensa “precisão histórica” acerca do ano, dia, mês e até mesmo o número de participantes da primeira procissão em homenagem ao Santo, que se transformou em padroeiro da cidade, é o processo de apropriação que os habitantes da floresta e da cidade desenvolveram, transformando os “festejos” em homenagem a São Sebastião em uma das maiores expressões de fé e “culturas do povo” em todo o Acre. 



Procissão de São Sebastião na década de 70

Acervo: Prefeitura de Xapuri

E não ficou só nisso, a tradição de reverenciar o Santo terminou levando à Xapuri “romeiros” de várias localidades do Acre e outros estados e até mesmo do exterior. Mas boa parte não se desloca para o município movido apenas pela fé. Durante o período de festejos, ocorre uma junção do “sacro” com o “profano”. O sinal para o início das atividades mais “mundanas” parece ser anunciado pelo sino da Igreja, que informa o fim de missas e novenas. A partir daí, uma diversidade de pessoas e mundos se encontram e se cruzam pelas ruas da cidade. Têm espaço e manifestações para todos os gostos, forró tradicional, musica eletrônica, shows, a cidade vira uma grande festa.

          No dia da procissão, no entanto, Xapuri parece voltar no tempo, retornar ao período que era Mariscal Sucre e quando ocorreram as primeiras manifestações de fé. Inicialmente a cidade despede-se do profano, prepondera então o sacro. Gradativamente, uma multidão de fieis dirige-se para a Igreja Matriz, muitos explicitam a fé através de artefatos ou de autoflagelo, tudo para agradecer pela graça alcançada. De repente, o apoteótico momento em que tem início a procissão e percebe-se uma multidão tomando conta das ruas com suas rezas e cânticos. Mesmo em meio ao barulho dos fogos de artifício escuta-se em todos os lugares da cidade o refrão “salve, salve São Sebastião”. Ao final da procissão certa calmaria, acompanhada de uma sensação de dever cumprido, paira na cidade. As pessoas retornam então as suas casas ou lugar de origem e, lentamente, Xapuri volta a conviver com sua rotina, suas ruas vazias, seu tempo próprio, caracterizado por certa lentidão no passar, mas, a cidade parece revigorada, afinal, inicia mais um ano sob as bênçãos do seu Santo protetor. 
 

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